quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Versos





Eu sou o que
não desejo dar-te

o que de mim entregaria
no teu natural espaço

Sou o que te dou

 recíprocas inteiras
todas
numa só vida

e ambas.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Quintal










Com quanta graça
o rosa liquida o verde
das mangas em Dezembro
e do tempo não se vê os olhos
ainda que siga sangrando.







sábado, 26 de novembro de 2011

Revelar







Pois
que a transformação
revela-se lilás-infinitivo
tal verbo que se desse
às coisas de acontecer o mundo

Deixei à porta um espelho
para quando eu voltasse
exausta dos meus riscos
meus se nãos e porquês.

Conheço o custo desta intimidade
ao corpo e alma expostos.

Em qualquer momento
a rua mudou-se da casa
e quem me olhava
do espelho à porta
me gestava ainda.






sábado, 15 de outubro de 2011

Voz Para Uma Interrogação









Sempre ao tentar penetrá-lo
seu silêncio desaba no meu

eu não sei se há mentira
na voz que emudece, então

Os muros nos quais
ainda assim eu mergulho
são como uma noite intensa
sem transição

De sua distância à minha
perco-me inúmeras perdas
e querer entender isto
é como esperar um cometa
que me caia nas mãos

Não sei porque entardeço
em um ar que me abafa

Se dependência e obrigação
ficam  à verossimilhança de amor
o silêncio é tangível
e nós, resposta sem questão.





domingo, 28 de agosto de 2011

Cansaço










Dormi na fronteira
no chão.
A planície está suja
no sonho está suja.
Na realidade também está suja
eu não a lavei no sonho
e o cansaço me desperta
extenso.

Como viagem de agulha
ponteando o vidro;
um dos dois se parte

Não toquem no meu cansaço
pois ele é limpo
rebento novo a nascer
durante as noites
enquanto durmo.




Fotografia: H. Ralf Lundgren






sábado, 23 de julho de 2011

Aves Migratórias









Em todas as evasões dos olhos
alegorias de aves migratórias
invenções dos nossos espíritos
por esquinas de dunas e esperas.

Se um sopro marinho respirasse
no núcleo da pele e bagunçasse
o corpo mais ao sul, redemoinho
girando a carne atlântica, suave
nossas asas nos aconteceriam após
o pouso inquietamente puro.

Um brilho coruscante amorteceria
com força nosso imenso desafio,
tal como envelhecem os mistérios.

Tempo outro, de primeiro enlevo
talvez, pulsasse nossos corações
e fossemos alforriados desse chão
como as aves, necessariamente livres
voado seus ventos e nortes.

Mas, o céu de abraços e renúncias
entrega às asas movimentos de partir.



Fotografia: Jeanne Chaves





sexta-feira, 3 de junho de 2011

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Não Dizer Das Coisas







Sei que pensamentos
ao léu da boca
atentam contra o poema

-entre dentes-

um amor tão em exagero
fazendo as horas que a luz
aquieta-se nos cílios das coisas
desvenda-lhes o nome
qualquer que se pode nomear

-metaforizar-

tão tranquilo no penhasco
fosse a queda
abraço intersticial
da matéria do vento
chegando lá não é o fundo
gaveta de guardar cartas de amores

-póstumos-

pétalas esmaecidas de depois do jantar
algo que pareça em desalinho
lagartas tecendo equador em pomares
ou pirilampos brilhando ao meio-dia

-e cante-

que se no desejo
(auge do discernimento da pele)
tem mais gosto que o agridoce da maçã
tem mais eloquência a mudez
(Ser)
das coisas de um poema

É cena sem ter sido
nunca luz

-e diz-





segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ainda Hoje






Tu te recordas
dos trechos de músicas?
fá – sol – lá – conchas.

Dó - ré – mi – si –nós
escorrendo os azuis
- já se ia dia –

Passa veleiro
pousam tarambolas
vento vem sem tu.

Ainda hoje
rochedos recitarão
tua ausência.

Mais poemas
para dias miúdos
findos em noites.

Noites dos dias
que não viriam nunca
-inda que dia-

Hoje falésia
se acrescentou mais
a sós comigo.

Resta-me deixar
um olho adormecer
no fundo do mar.

O azul partirá
nos nuances de cobre
ainda hoje.



Foto: Daniel Bezerra




sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ninguém Disse Que Era Fácil





Vôos não maturam no céu.
É preciso subir para conquistá-los.








domingo, 6 de fevereiro de 2011

Dia Incomum



 
CALHETAS - CABO DE SANTO AGOSTINHO

 
Nosso objetivo inicial e final era a Praia do Paiva, no litoral sul de Pernambuco, uma praia de compacta faixa de coqueiros, mar de um azul homogêneo e areias muito brancas. Alcançamos o pedágio, situado no final da estrada litorânea do município de Jaboatão dos Guararapes às oito horas da manhã. O dia amanhecera com nuvens carregadas de chuva de verão e ocasionalmente lavavam a estrada, ao que nos pareceu, já assepticamente limpa, muito bem sinalizada, de largas calçadas com canteiros de flores coloridas e monitorada por câmeras em toda a sua extensão. Muito ouvimos falar desse novo recôndito litorâneo urbanizado em uma parceria, questionada pelo gentílico, entre a Administração Municipal do Cabo de Santo Agostinho e uma poderosa representante da indústria da construção civil.
O acesso mais rápido no sentido norte-sul para a Praia do Paiva é, exclusivamente, realizado por esta via privatizada.



Nós penetramos armados de nossas câmeras fotográficas um dos caminhos alagados por grandes poças da água da chuva. A maré estava alta e as piscinas naturais, características da praia, escondidas. Desanimamos de permanecer nela depois de ler as placas que dizem: ATENÇÃO, TUBARÃO.

Assim, nos enfiamos mais na estrada até a Praia de Calhetas.

O relevo do município do Cabo de Santo Agostinho é composto de superfícies retalhadas, que favorecem uma variedade enorme de assuntos fotográficos entre o mar, a vegetação de floresta e a caatinga, também. 
 



A história do Cabo de Santo Agostinho se inicia antes da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil: Vicente Yánez Pinzón, navegador da Armada de Cristovão Colombo lhe nomeou Santa Maria de la Consolación, assim ele se chamou de 1500 até 1560, quando então recebeu o nome de Nossa Senhora da Madre de Deus do Cabo de Santo Agostinho, dado por João Paes Barreto. O porquê dos espanhóis não se apossarem da descoberta está descrito no Tratado de Tordesilhas (1494), um acordo para exploração de terras do qual faziam parte, Portugal e Espanha. Por essa época os habitantes do lugar, em sua maioria, eram índios da tribo Caetés. Em 1812, o pequeno povoado de casas espalhadas foi elevado à condição de Vila e em 1877, a de cidade. E ela transpira e respira sua própria história através da preservação das ruínas extraodinárias da época colonial.
Finalmente, chegamos à adorável, e, felizmente, pessimamente conservada estrada de barro que sobe inteira até a praia de Calhetas e desce suavemente até a orla. As paisagens que se descortinam são de um mar azul impressionante, entrecortado no fundo da floresta. Pelo caminho, recebemos saudações dos moradores nativos: bons dias naturais educados de berço.


O esforço de dirigir na estrada acidentada é recompensado pela acolhida dos moradores e pela visão azul densa do mar acomodado na praia curtinha, limitada nas extremidades por rochas e serras.






Caminhando entre as rochas que se depõem na orla, enveredamos por trilhas abertas a passos, sempre subindo, com o objetivo de ter uma visão mais ampla do conjunto de serra e mar, depois, descemos novamente até as pedras, onde a água do mar faz represar pequenos peixes coloridos.







Nesse rumo, um estranho habitante veio tomar satisfações sobre aquele abuso na sua paz; um lindo camaleão adulto, de expressão nem um pouco amistosa, correu a se escafeder no mato levando a certeza de que não era a nossa intenção perturbá-lo. A esta altura do dia, o sol já tinha dado o ar da graça, um tanto inerme, e pudemos ver as edificações da orla de Jaboatão dos Guararapes, como uma visão surrealista, planando na linha do horizonte. Aqui, a paisagem convida a contemplação e, o silêncio, a exceção do fragor do vento, do ressoar das ondas descambando sobre as pedras, se impõe soberano.






Deixar-se tocar pelo sol, pela grande massa de espuma e pelo calor das pedras, demoradamente, sem barreiras têxteis, é estar disposto ao mais primitivo e insonhável de todos os batismos. Permitimo-nos.






Na Vila Nazeré, tive a atenção despertada por um  Museu de Pescadores, mas para a minha frustração não o visitamos, pois estava fechado para reforma. Seguimos em frente, então, para a Igreja de Nossa Senhora Nazaré, construída no séc. XVI próxima às ruínas do Convento Carmelita, construção do séc. XVII. No pátio estava armado um parque de diversões, delimitado ao lado direito pelos muros da igreja, ao lado esquerdo por barracas de comerciantes de comida e bebida, na frente, pelo pequeno cemitério, onde flores artificiais e um coveiro cumpriam suas atividades em calmaria, ele abrindo uma cova nova, elas fingido vida em moradas onde esta já não era mais possível.





Sentamo-nos à sombra de uma das barracas imaginando a vida da criatura, em seu féretro, que fizera jus àquele quinhão agrário. Logo descobrimos se tratar de um jovem rapaz da localidade, cuja violência urbana havia engolido a vida precocemente, longe dali. A moça que narrava, em pormenores, o drama daquele acabamento, falava consternada, ao nos despedirmos, informou que o enterro seria às quatro da tarde, como se estivéssemos marcando encontro para um evento qualquer.




Por sugestão dela subimos mais um pouco, errando o caminho até a recomendada Praia do Paraíso, indo dar em um elevado de vista sufocante. Um rústico mirante de rocha calcária abre visão para a Praia de Suape e para a maior das esperanças de crescimento econômico da região nordeste, o Porto de Suape.

Protegidos do vento pela floresta, a acústica do local nos faz ouvir vozes indistintas vindas da Praia do Paraíso, que visitamos na volta, uma réplica de Calhetas em proporções menores. Atraente, quase selvagem e familiar.
Decidimos retornar ao centro da cidade, onde a desconstrução do que havia no início a deixa semelhante a um animal inconsciente do seu papel na cadeia alimentar. Esperando para ser devorada em holocausto pelo grande monstro da prosperidade que se movimenta bem perto, na terra e no mar.
Um carona nos induz a visitar a Enseada dos Corais e a Praia de Gaibú. Desistimos em um acordo tácito; o centro comercial atrapalhava a nossa curiosidade e boa vontade.
Almoçamos comida regional, preparada na hora, com toques de personalização ao paladar, em um restaurante às margens da estrada de pedras de acesso a Calhetas, para onde retornamos a fim de capturar a extremidade esquerda da praia, mas a iluminação se apresentava amarelada por causa do declínio do sol, o que nos deu a impressão infalível de havermos chegado tarde, com tempo escasso e, poucos olhos para o tanto que havia a ser visto.

Não sem surpresa, ouvi o convite do companheiro para esticarmos novamente a aventura até a Vila Nazaré. Avizinhava-se a hora do cortejo fúnebre sair e a menos que ele estivesse disposto a registrar o luto absoluto no rosto daqueles familiares e amigos do morto, o convite só poderia significar a sua pouca disposição em abandonar aquele clima das relações interpessoais interioranas, como pouca era a minha.



Enfim, às quatro e dez da tarde, decidimos tomar a estrada de volta. Despedimo-nos mais uma vez da moça da barraca de comida e da senhora do bazar, onde as peças de roupas e calçados usados variavam de um real até onde pudesse ir o interesse do cliente, nunca ultrapassando o valor de vinte reais.
No caminho me fiz mais um agrado, adquirindo pimentas em conserva, licores artesanais, castanhas e passas de caju.

E não... Não nos encontramos com o cortejo fúnebre na estrada de pedras. Chovia.



Fotos: Daniel Bezerra



 
 

domingo, 30 de janeiro de 2011

Espuma








No mar
não ponho os pés sem tocar as nascentes
que são veios de mundo e infinito
sem mirar
ligeiro que seja, naufrágios da sorte

Nem posso adivinhar os vôos que neles se desejam
as pátrias engarrafadas no gris e no anil.

Há mistérios de rochas
eu bem sei
madrugam na esuma.




Calhetas - PE - Brasil
Imagem gentilmente cedida por Daniel Bezerra




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