sábado, 22 de junho de 2013

A Marcha







Impossível saber quantas daquelas cento e duas mil pessoas passaram por ele. As pessoas apenas marchavam, bradavam e se desviavam. Ele não tinha modos de quem marchava.  Agachei-me ao lado daquele corpo que tinha uma das pernas sobre um boné que escondia um quilo de feijão.  Os chinelos estavam espalhados.  Parte daquele corpo sobre a calçada da ponte, parte sobre o asfalto. As roupas apenas lhe ocultavam a nudez. Pus a mão no seu peito e senti a respiração e pulsação. Ele abriu os olhos delirantes.

- Senhor? Senhor? O que sente?

Como se minha voz demorasse várias doses de carbonato de lítio para fazer efeito, ele respondeu:

- Eu tô feliz!

- Certo. Mas, o senhor não pode ficar aqui. Vai se machucar.

- Eu tô feliz!

Buscou para mais perto o boné e o feijão. Algumas pessoas interromperam a marcha e se dobraram também, seguraram-lhe pelos braços e pernas, o recostaram nos pilotis da mureta da ponte e marcharam. O pulso do Homem Feliz batia cheio, rápido e irregular. Nenhum odor etílico evaporava. Ele estava feliz. Uma garrafa com água dançou na nossa frente, e eu coloquei na mão dele para que bebesse. Não tremia, mas não tinha coordenação. Ele estava feliz. O cristão da água marchava, marchou.

- Alguém! Faça chegar aqui o socorro! Repassem! Alguém faça chegar à ponte o socorro! Repassem!

A água não caiu na garganta. Ele tossiu, engasgou, cuspiu. Felicidade espessou a água e estreitou a garganta. Felicidade quase mata.

- A moça é tão bonita...

O país marchava. Ele não marchava. Defendia o boné, o feijão, e os chinelos entre as pernas magras estendidas sobre a ponte que ampliava a marcha até o outro lado do rio, e flácido, esperava por não sabia o quê. Lembrei-me de Patrícia: “- Em caso de elogio, meramente agradeça”. Com ele foi tão mais fácil. Ele estava feliz. Quem marchava, marchou por não sabia o quê exatamente.

Trinta minutos daqueles olhos felizes postos sobre mim foi o tempo que levou para um grupo de estudantes da área de saúde nos abordar com suas caras de Madre Teresa que ainda não sabe como é difícil a humanidade em seres humanos. Eles marchavam, marcharão.

- Check o pulso. Ele não consegue engolir. Está feliz.


A minha sociofobia desrespeitada já havia uns cinco quilômetros, eu marchei.




Levante Sem Causa em Junho e Julho de 2013.




sexta-feira, 21 de junho de 2013

Viver?






É soprar
num novelo
de pelo
e nó
da água
ao pó.




domingo, 16 de junho de 2013

É Por Tudo Que Se Sufocou





O Brasil Sob Protesto




Havia um silêncio massivo que me causava medo e estranheza. Uma serenidade de câncer não diagnosticado carcomendo os ímpetos. Agora, não tenho mais medo.





Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...