terça-feira, 25 de agosto de 2009

Decompondo a Lista II




“Faça uma lista dos sonhos que tinha!
Quantos você desistiu de sonhar...”

(Oswaldo Montenegro)


Sabe aqueles desejos que esvanecem na poeira do galope do tempo? Que vão ficando aqui e ali. Tintas bem arrumadinhas numa aquarela que talvez jamais sejam usadas numa grande, ou memo pequena tela? Aquela vontade que se tem ao se olhar uma vitrine, um jardim, um céu de pipas e aviões, prateleiras de lojas de brinquedos, gente... (é possivel mensurar e quantificar vontades diante destes estímulos?). Cada um os percebe de forma muito própria: olhando vitrines se poderia desejar ser uma modelo famosa, um costureiro de renome, um vendedor da loja, o dono dela, ou apenas possuir coisas que ela mostra.

Olhando um jardim, pode-se desejar possuir as flores, os pássaros dele, ou simplesmente dispor da relva para refrescar os pés e das sombras das árvores para relaxar o dorso. Pode-se, até mesmo, pensar em possuir um igual no quintal de casa. Pode-se também nem olhar direito para ele, saber só que ele está lá, como algo que não poderia deixar de estar, feito uma montanha, um rio ou o mar.

Olhando o céu, poderia se desejar uma chuva ou que o dia fosse de sol, desejar a pipa colorida, desejar o avião, ser piloto de avião, ou aeromoça. Poderia se desejar um teto de telhas de verdade, que abrigasse a necessidade de se refugiar das intempéries. Pode-se desejar não ter partido, ou não ter deixado ir. Pode-se até desejar uma boa lua para uma serenata.

O que se pode desejar ao se olhar as pateleiras de uma loja de brinquedos? Um brinquedo? Muitos brinquedos? Todos eles? Há quem possa desejar a inocência da infância de volta para aliviar o peso dos anos. Há quem possa desejar ter ouvido uma história de criança. Há quem lamente nunca ter tido tempo de contar uma. Há quem se lembre que lhe foi impossível contar uma história de criança. Há quem deseje, apenas, ter os meios de realizar um desejo.

E quanto a gente? Pode-se desejar que um rebento, seja como nós. Pense como nós. Haja como nós, seja o que nós somos. Ou, que seja tudo o que não conseguimos ser, que tenha tudo o que não conseguimos dar. E ambos levam quase uma vida inteira abrindo mão de desejos e realizando os que lhes é permitido desejar, com ou sem mágoa, com ou sem culpa. Mesmo quando a vida inteira divide-se em duas, duas várias vontades...

E quanto aos amores da gente por gente? Em que âmbito, por onde olhamos e desejamos que ele (a), sinta nosso amor como a gente sente? Retribua como necessitamos? Em que âmbito nos completamos, tomando, pedindo e cedendo, desejando preservá-lo eterno, nem que seja por instantes? No âmbito da morte certa que não desejamos, mas que é o fiel da vida que balança?

As vontades são tantas e tão distintas para cada coisa, fato ou ser nos quais colocamos os olhos e pensamentos.

É quando por via de algum mecanismo maluco, feito de parafusos e engrenagens de acaso, se começa a esquecer dos muitos desejos, ou a sublimá-los, em detrimento de necessidades urgentes, às vezes nossas, às vezes de outrem. E onde havia vontade surgem os sonhos, estáticos ou galopantes no tempo, e estes a trazerem de volta o desejo, a vontade madura de realidade plena.

E existimos, não como quem deseje coisas por trás de vitrines, coisas de um jardim, ou do céu. Não como quem deseje coisas de uma prateleira de brinquedos.
Não como quem deseje se fazer, à própria imagem e semelhança, em gente que não é a gente.

Sonhos nascem de vontades diferentes, por diversos acasos, e a sorte vem quando num desses acasos, nos colocamos cara a cara com gente que sonha igual a gente. Não realizar um sonho, quando ele bate à nossa porta, por descuido ou por falta tempo, é um enorme desperdício de vida.



Nosso sonho é real, Alma Minha, e palpável. Uma latência característica a nós duas, que no ponto certo, galopou Ao Pé da Nossa Janela, e entre páginas e sons ficará eternizada, dando ao tempo a certeza de que foi por nós sonhada.





Erótica




Hoje, reclinei entre duas asas oceânicas,
da mesma forma que fazem as estrelas,
no ponto médio mascavo das madrugadas,
e pus-me ao alcance de me levar por elas.

Uma atmosfera de chama vicejava apenas,
infinitamente azul nas margens dos lençóis,
preenchendo cavernas de dedos em plena
efervescência de baques de silêncio e voz.

Aqueles rumores tinham mãos. Indecentes,
abriam-me, sôfregas, todas as bocas,
em duas metades de fruta transparente.
Uma, caiu pelo teto. Ardia uma outra.

E levitou espessa sobre o suor e os átrios,
a torto e a direito de compassos quebrados.
E pousou profunda na caverna, de lírios
contraídos, dilatados. De gozo, amalgamado.

Hoje, reclinei entre duas asas oceânicas,
na exata forma que constrói um oleiro,
os ventos que alçam aves de cerâmica.
Nasci manhã. Morri estrela, o dia inteiro.




Finalmente! O texto perdido foi encontrado. E se alguém nunca soube o que é perder uma criação, lhe digo: é como perder uma criatura para a qual te preparaste. Para a qual enfeitaste todos os teus ambientes: neurais, vasculares, cardiácos e uterinos. É como haver ficado orfã de si, existindo apenas pelo tanto que restou dela. Mas quando ela volta, ah! É uma sensação nova. Nunca como se fosse outra, mas como se houvera nascido a mesma, de novo.




sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Eterno





Agita-se no meio da tarde,
Chuva oriental de luz amarela.
Liquefeitos taças e pássaros.
Solta pelos olhos avistados à janela.
Horas de vozes fundidas em cartas,
Cheirando a laranjas inusitadas
Do fio infantil tecendo o dia,
Prescrito em tua boca abismada.

Dizendo-me de flores e sedas
Por entre fatos já lembrados.
Abro cadernos de ti tão certos;
Aços e arco-íris coagulados.
Desenhando terça em sextas-feiras,
Faço tão tua esta poesia, amado,
Como chuva atrasada já sentida
Talvez, riscos mal molhados.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...