sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Minutos de Silêncio








Há textos que se escrevem em silêncio, afinal. Não aquele silêncio físico da inaudibilidade, mas o factual, atávico, tão primordial e peculiar da impressão digital.

(Ele rola e rola a aliança no dedo)

Eu pondero sobre os lótus não nascidos, a ignorância da água sobre a potencialidade da flor. O sol, decerto, jamais se negaria a morrer onde começa a noite, ao redor de um pistilo de lótus, até que este fosse o fio das notas do seu odor.

(Estamos satisfeitos, obrigado)

Não se retoca, não se corrige a latência. O silêncio fala no modo como se faz e não pode ser feito de forma diferente de calar-se numa atitude de quem não roeu a água.

(409, não sei por quê o número me chama a atenção. Somo, multiplico, divido, diminuo, decido: noves fora, 4.)

(Nenhuma sobremesa, senhor?)

A opção que resta à água é não ter que escolher entre duas possibilidades de uma proposição: sim ou não.

(Duas, um café, e nada para mim)

Eu pensava que o deserto de um Ser fosse não ter alguém com a boca à espera de uma palavra sua. Pensava que pensar era ato contínuo à expressão das coisas do lado úmido do porvir, mas isto foi antes de conhecer palavras insolúveis às coisas do pensamento.

Em silêncio, ele girava a aliança, gramaticalmente mergulhado, talvez, nas palavras insolúveis às coisas dos seus pensamentos.

Como o talvez seja a certeza da dúvida, nossos silêncios, enquanto esperávamos o último pedido, eram a continuação de um texto que se escrevia cotidianamente para um futuro de água ou de sol.

Onde estamos a noite anoitece primeiro do lado de fora.

(Pode trazer a conta, agora)

A madrugada deriva imprópria de palavras apenas úteis. Só as crianças e os poetas conseguem desintegrar estrelas e refazê-las libélulas.

O resto é monólogo prolixo de vidro.



Inspirado nos textos "Da Luz dos Olhos à Janela da Alma I, II e III", de Cau Alexandre.






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