
Tudo bem. Confesso: tenho enorme dificuldade em me expor a novas tecnologias sobretudo, as de informação em massa, para as massas. Preconceito, timidez, ou aquele medo infantil dos monstros que se escondem no armário sempre que a luz está apagada, chove e os pais não estão em casa. Mas lá no fundo, no fundo do armário esconde-se, em verdade, uma preguiça feroz de processar e guardar informações que são as necessárias, receio de não saber o que fazer com as que não são e a certeza de que o cérebro não tem filtros. Mas, todavia, sempre podemos lançar mão do auxílio luxuoso do 'ponto de vista'.
Há algum tempo, arrisquei publicar meus textos num determinado site. Alguns escritores que alí publicam, comentavam, criticavam, elogiavam, o contador de visitas contava e eu nunca sabia se os números se referiam a leitores assíduos ou a amigos assíduos. É! Assim; distintamente separados. A virtualidade deixa uma névoa, às vezes, sobre as formas de relacionamentos virtuais e até consegue desfazer o conceito de redundância (aplicada aqui). Ah, mas foi ótimo! Aprendi a ler o que não estava escrito, aprendi a ler a intenção do texto o que, necessariamente, não quer dizer 'mensagem' do texto e mergulhei num espaço onde a subliminaridade transcendia o subliminar, em meio a centenas de milhares de informações.
Algo sempre se oculta entre um parágrafo e um ponto tanto quanto algo pretende se mostrar.
Certo dia, recebi um comentário de um rapaz de muito longe, lá das terras do Sul e lá fui eu, em um "clic", retribuir a 'visita' e conhecer seus escritos. Aquele senso de humor quase pueril, inteligente e desprentensioso me emocionou. Era um tipo de humor tão diametralmente oposto ao que se costumou chamar de humor. Não havia a lei do Gerson impregnando os textos. Não havia ninguém tentando ou levando vantagem em cima de alguém. Não havia o apelo ao sexo. Não havia formas vocabulares discriminadoras, simplesmente porquê não havia a intenção de que houvesse qualquer dessas coisas que a massividade das informações se habituou a chamar de "humor". Ele me fez rir sem nenhum desses artifícios. Fiz, então, um comentário no seu texto "SOCORRO, SALVEM A AMAZÔNIA!". Qual não foi minha surpresa ao receber, dias depois, um e-mail do escritor. Senti-me tão importante, um grão de areia que o vento ergue e o separa dos demais no deserto do excesso de informações.
A roda girou, o vento girou e neste meio tempo, íntima, secreta e discretamente, desisti de voltar ao site para publicar. Outra surpresa: um e-mail deste mesmo escritor cobrando a minha 'presença' no site e a lembrança de que nossa 'proximidade' se deu justo em função de 'pontos de vistas opostos.' Este escritor de nome Plínio Menegon, presenteou-me com dois textos, um que compartilho agora com vocês, o outro, encomendado, será escrito especialmente para o Brisa Nordeste.
Onde está o insólito? Na natureza do texto com o qual fui presenteada, na data em que ele ficou diponível. Um verdadeiro presente.
Envelheço a cada segundo, a cada sorriso do sol, inconscientemente, mas há aquele dia em que energias ocultas, através das pessoas, insistem em que eu não esqueça disso e me mostram, de uma forma exuberantemente insólita, que para o insólito, também, é que fomos feitos.
"O HOMEM QUE QUERIA SER EU"
Plínio Menegon
-Akito Obara e sua esposa, Oky, viviam do que plantavam em seu pequeno sítio, encostadinho à cidade e era nosso vizinho mais próximo. Aprendi a gostar daquele japonês logo que ali chegamos, quando eu tinha menos de 10 anos. Nutria por ele uma simpatia e não sabia explicar se era de irmão (que não tivera), pai ou avô.
-Sempre sorridente e disposto, Obara costumava dizer a todos do bairro que gostaria de ser um homem como eu, palavras que só vim entender anos mais tarde, quando a juventude foi ficando para trás e a amizade e família ganharam outro significado.Sempre o tratei com respeito, sem deixar de lhe contar uma piada, um fato engraçado, um causo. Sem parentes por perto, era eu quem lhe socorria quando se fazia necessário, sem nunca olhar ao relógio, e lia para ele os jornais em voz alta. E não fazia por recompensas, seu sorriso de satisfação me bastava.
-Nos víamos pelo menos duas vezes ao dia e quando, por um motivo ou outro isso não acontecia, um de nós procurava saber o que havia acontecido, sem a necessidade de usar palavras. Palavras que ele economizou até quando foi covardemente agredido por dois marginais que lhe roubaram o resultado da venda das hortaliças; recusava-se, sorrindo, a revelçar os nomes, temendo pela minha reação que mais tarde, acabou acontecendo.
-Casei e constituí minha morada mais perto de Obara. Quando do nascimento de minha filha, ele chorou em meu ombro, de contentamento e dizia com seu português atrapalhado que agora sim, estava completa a grande família.
-O que Obara nunca chegou a saber é que, na verdade, eu o invejava. Invejava aquele sorriso sem maldade e seu coração bondoso. Invejava suas mãos calejadas sem reclamações. Invejava sua calma diante de um problema, dizendo que: 'por causa disso, o mundo não iria acabar. Que não havia mal em que durasse toda a vida.' Que havia coisas mais importantes que um monte de dinheiro e que a arrogância é uma arma perigosa, pois envenena a alma, por mais limpa que seja. Eu invejava aquela sabedoria oriental que abastecia de sol meus dias nebulosos. Obara sempre estava certo e eu, covardemente, nunca tive a humildade de lhe dizer isto. Nem ao menos um obrigado.
-Naquela tarde de domingo, quando brincavámos de pescar em um açude na sua propriedade, por imprudência, deixei minha pequena, então com seis anos, aos cuidados do meu filho de doze anos. Ela acabou resvalando de seus braços e caindo na água. E foi Obara, sem saber nadar, que se jogou antes de todos e a salvou. De onde eu estava não sei se o resultado seria o mesmo. Ao tentar voltar à margem, o velho amigo acabou por enroscar o pé numa rede de pescaria, abandonada no fundo das águas e presa a um galho de árvore.
Agora dou sentido à narrativa colocando no título um ponto de interrogação.
O HOMEM QUE QUERIA SER EU?
Igualzinho a você, Obara. Mas, nem vivendo duas vezes oitenta e quatro anos, chegarei sequer aos seus pés. Você era um rei e eu não sabia.
Muitíssimo obrigada, Plinio!