terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Um Percurso Para a Noite dos Tambores Silenciosos



Estacionamos ao lado do prédio da Assembléia Legislativa do Estado, uma construção que se iniciou no ano de 1870 e só foi entregue no ano de 1876, embora tenha sido inaugurada no ano anterior, ( como os hábitos do sistema político atual são arraigados! ). Nosso objetivo é participar da cerimônia da "Noite dos Tambores Silenciosos", evento que acontecerá no pólo afro, um dos oito pólos de Carnaval, instalados no Centro do Recife, mais precisamente no Pátio da Igreja de Nossa Senhora do Terço, para tanto, precisamos vencer, mais ou menos, dois quilômetros que estão entre o ponto onde nos encontramos e o famoso Pátio.
Estamos na margem esquerda do Rio Capibaribe, na Rua da Aurora, que recebeu este nome pelo fato de todas as suas casas serem voltadas para o nascente. O trânsito se encontra muito diferente do seu habitual, mas não menos confuso. Centenas de pessoas de todas as idades, fantasiadas, mascaradas, ou simplesmente em trajes de verão, vão e vem pela rua, disputando espaço com os veículos.
Para chegar à outra margem do rio, cruzaríamos a Ponte Princesa Isabel, construída pelo engenheiro inglês William Martineau, e sobre a qual existem controvérsias à cerca do seu nome verdadeiro, historiadores de peso afirmam ser seu nome correto, “Ponte de Santa Isabel”, outros poucos afirmam ser seu nome original “Ponte Pedro II”, mas o fato é: controvérsias à parte, essa construção do século dezoito liga poeticamente a Rua da Aurora a Rua do Sol, a primeira situada no Bairro da Boa Vista e a segunda no Bairro de São José. Este, não é o único “traço” de romantismo que a presença holandesa deixou nas linhas arquitetônicas da cidade; transversal à Avenida Conde da Boa Vista, existe a Rua das Ninfas e Rua da Soledade.
Uma Rua da Palma, transversal à Rua Nova e à Rua das Flores. Imagine que alguém colocou a Rua da Saudade paralela a Rua da União, e não fosse um ato politicamente correto, na seqüência, ter-se-ia a Rua do Hospício, mas a Rua 7 de Setembro está entre ambas, muito imaginativo, talvez para desviar a atenção do paralelismo entre saudade e união.
Deixando as divagações de lado, voltemos ao percurso que nos levará à nossa cerimônia Afro-religiosa.
Já na Rua do Sol, avançamos em direção aos fundos do Teatro de Santa Isabel, construído em 1841, num local chamado “Campo de Erário”, por tratar-se de um areal, hoje ele está imponentemente instalado nos jardins da Praça da República, ladeado pelo Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo Estadual e o prédio do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Segundo Joaquim Nabuco, organizador, em 1880 da Associação Brasileira Contra a Escravidão, ali se começou a ganhar a causa da abolição da escravatura.
Bom, chegamos pelos fundos do prédio do Tribunal de Justiça, ao início da Avenida Dantas Barreto, nome dado em homenagem a Emídio Dantas Barreto, comandante militar que atuou na guerra de Canudos, contra Antônio Conselheiro e seus seguidores. Seguimos por toda a extensão da larga avenida até a viela estreita que dá acesso ao Pátio da Igreja de São Pedro, nesse trecho há que se destacar a visão das fachadas das igrejas de Santo Antônio, Nossa Senhora do Carmo e a Igreja da Ordem Terceira do Carmo.
Ao chegarmos à viela, ainda trazia confrangido o coração pelo aspecto sujo e mal conservado dessas construções seculares.
Feericamente iluminado, o pátio de São Pedro, com seus bares tradicionais, reduto de poetas, estudantes, trabalhadores do centro do Recife, intelectuais e turistas de todas as partes do globo, tinha em uma de suas extremidades um palco montado para apresentação de grupos folclóricos, que contavam a história do Carnaval de Pernambuco com arte, cor, graça e música.
A Igreja de São Pedro dos Clérigos, com suas duas torres simétricas, se posta na outra extremidade do pátio, do alto dos seus 281 anos e, hoje, comprimida entre ruas estreitas, continua a resistir às pressões do espaço urbano de Recife.
A Rua das Calçadas é uma rua lateral a Igreja de São Pedro e por ela seguimos, até alcançar o Pátio do Terço, onde está instalada a Irmandade de Nossa Senhora do Terço. A fachada da Igreja foi expectadora de um acontecimento histórico que deve ser ressaltado: a condenação à forca do Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, revolucionário da Confederação do Equador. Os soldados se recusaram a enforcá-lo no interior da Igreja e o levaram por toda a distância do pátio, onde lhe foi, por fim, tirada a vida na forca.
Antes mesmo de chegarmos à metade da extensão da rua, já era possível escutar as batidas das alfaias e tambores dos Maracatus.
Chegamos ao pátio por trás do palco montado para a apresentação. Era grande o número de pessoas que se concentrava ao longo do gradil que isolava o público da área do desfile dos Maracatus. A cerimônia propriamente dita começaria à zero hora, pontualmente, e enquanto aguardava, o público se encantava com as apresentações de Nações de Maracatus (Também conhecidos como Maracatus de Baque Virado), centenários e novos.
O batuque do Maracatu contagia, inconscientemente começamos a balançar o corpo no ritmo dos tambores. As dançarinas realizam movimentos sutis e frenéticos, em função do embalo das pancadas, lembrando o movimento da águas do mar, braços no ar e passos marcados, tanta força, sutileza e graça, abarcadas por cores fortes, cores da entidade que precede o cortejo.
E assim ficamos, envolvidos no espetáculo até a meia-noite, quando então as luzes do pátio se apagam e tem início a Cerimônia da “Noite dos Tambores Silenciosos”. Tochas são acesas. Um babalorixá principia a proferir, em dialeto africano, a sua benção. Fogos de artifício espocam e colorem o céu vermelho de temporal. Não há mais o som dos tambores. O povo em silêncio.
Chove torrencialmente, mas ao contrário do que se esperaria o público só aumenta. O exíguo pátio alaga, encharcados, não há como atribuir os arrepios que nos andam na pele ao frio ou ao momento do evento.
Saímos do Pátio do Terço ao término da longa benção, com aquela sensação gostosa de fazer parte de uma cultura de carnaval que confere identidade e respeito às nossas complexas e ricas origens.

NOTA: A Noite dos Tambores Silenciosos é uma cerimônia de origem africana que reúne nações de maracatus de baque-virado, procedentes de todo o estado de Pernambuco, com a finalidade de louvar a Virgem do Rosário, padroeira dos negros, e reverenciar os ancestrais africanos, que sofreram durante a escravidão no Brasil Colonial.
Os ritos de reverência aos antepassados é um costume que os escravos trouxeram para o Brasil, como na cerimônia de Coroação do Congo, onde elegiam seus reis e rainhas, lamentavam seus mortos e pediam proteção aos Orixás.
No Brasil, os negros privados de sua liberdade não podiam manifestar suas crenças e tradições. Realizavam então cortejos de lamentações às escondidas e em silêncio, dando origem mais tarde ao nome da celebração: Noite dos Tambores Silenciosos.
Mesmo depois da abolição da escravatura, esse ritual continuou a ser realizado. Com o passar do tempo, todas as comunidades negras do Recife foram se agregando, o evento sempre foi realizado às segundas-feiras, dia das almas nas religiões de origem africana.
Essa festa de evocação e reverência era realizada no pátio da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, localizada na Rua Estreita do Rosário, no bairro de Santo Antônio. Entretanto, em 1965, por iniciativa do sociólogo e jornalista Paulo Viana, deu-se início a uma campanha de valorização e resgate dos ritos africanos, que durante o período da ditadura militar entrou em decadência, pois o número de participantes desse tipo de evento foi bastante reduzido devido às perseguições políticas (...).

Fonte: Fundação Joaquim Nabuco

(Imagem Google)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Resumo da Lágrima



... Palavra líquida.

Desvencilhanças




Interrompemos o curso da tarde
e nele a praça não mais corria vazia,
alí, parada sob nós, como nós, em calma, ela urgia.
Teu riso na palma da mão e a mão na nuca,
aplacava velas acesas de antigas naus
Viesse a noite àquela tarde e a história seria igual.
Todos os verdes e amarelos e violetas dos canteiros...
Você disse: olha o arco-íris no chão, desse jeito,
na descoberta, minha face ficou em teu peito.
Sempre gostei do teu carinho vertical,
quando o tenho, me apetece perder-me na demora,
é quando, devagar, galgo todos os nossos degraus.
Aquela tarde estacionada não foi bolha de sabão,
Foi tempo necessário, roubado gostoso, à falta dele...
Juntando os nossos momentos como são.

A Arte de Sonhar



Indefinidamente, para sempre voar
dentro de um universo inusitado,
qual ave evoluindo rente ao durar
de fronteiras e caminhos guardados

em cantos delatores de segredos,
afinados com o imaginário e o resistir,
aflorados no chão de se ficar e se ir
ao extremo do impossível, sem medo.

Por estradas tortas que nem veias
de um corpo veloz, perseguir os sonhos,
por quanto fantasias se tornaram, de fato,

avesso do substantivo feito de areia
erguido em cósmica tempestade
e a vida acordada, faz-se um sublime ato.

Estro Impossível



Esperei que me aportasse como quem parte já,
Segredo azul de alvorada tranqüila.
Tramando perder-me à beira de te achar,
Reviraste em meus seios, língua feito quilha,
Outras águas além da arrebentação do mar.

Irradiados, abandonados de pretextos,
Meu e teu anseio, como grito, ou do vento o assovio,
Predisseram ilusões, areia do tempo breve de resto.
Onde nada sussurrou o vento, estava o que silencio,
Saudade liberta entregando-se sem protesto,
Sem que me farte o alimento, ou se me negue à poesia.
Indaguei do mar se teria tua alma em retorno a minha mente.
Vagas abertas, cheiro de homem e mulher e maresia,
Existindo nuns momentos, em que tudo, de repente,
Levasse aquele sol que a fatalidade nos mentia.
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