domingo, 18 de maio de 2008

Intrínseco


Harmonia em freqüência modulada
trazendo a calma essencial.
Restos alaranjados ao acaso,
disseminados sublimes pelo sol.

A vida a correr do mesmo modo
em caminhos fervilhantes,
represada num modo de um olhar,
suspensa em acordes errantes

de anseios que não jazem findos
à égide da escuridão,
antes emprestam tantas mil cores
dos dias que ainda virão.

Tal qual artistas sem palco,
escritores autônomos sem pena,
compomos histórias diárias
e assim ninguém perde sua cena.

Catarse

Nas tardes ociosas,
envoltas em vento leve,
o verbo fluía fácil
ao redor de passado e porvir.

O presente era um mundo
de muitos momentos breves,
de toques amenos de mãos,
apenas para nos permitir sentir.

Mas, mais lentas que o vento,
no limite do impossível,
abriram-se portas tão mudas,
feitas de dia-a-dia.

A palavra quedou inaudível,
em seus conteúdos avessos,
dormia em sossego no espaço
e o verbo não mais se movia.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Imprescindível


Sim e não.
E tudo o que vai a distância do meio.
renúncias mudas de ontem e hoje
longe,
lá onde cicatrizam pegadas no chão.

Centro e margem.
Para que não se conjugue amor e desejo
sem que se lhes distingua a cor,
e se esta exista,
não seja miragem.

Inteiro e metade.
Porções conhecidas do “um” divisível,
não dicotômicos,
não antagônicos,
mas tal que sejam verdade.

Eu e você.
Não precisa ser inteiro ou metade,
não carece ser centro ou margem,
nem sim nem não,
sejamos, quem sabe, um "por que".

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Prólogo da Paixão


Vem assim, sem pretensões,
de tantos caminhos distantes,
marchando no vento dissonante,
improvisando no eco canções.

Vem sem intuir origem,
trazendo evidente surpresa,
um quê de estranheza,
por tudo que os silêncios se dizem.

Relâmpago nas matas sem fim,
vem deste modo preciso.
O êxtase no meio do meio.
De um jeito tão novo se faz mar e jardim.

Jamais passa e não permanece,
insistente princípio do quando,
perene por enquanto,
ao nos darmos conta já acontece.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Desejo Em Soneto



Se me chegasses sempre à noitinha
com as horas do dia envoltas em laços,
quando a sombra no Éter caminha,
e se eu perdesse teu corpo em meus braços?

Ao enlevar-me em vontade tão minha
de tua pele e do teu cansaço,
meu riso desfeito no embaraço,
no teu anseio, no prazer que nos vinha,

vagaria serena, qual semente ao vento.
Mil luzes vidrando-me em teus olhos,
gravando a imagem que a noite não trai,

como se tudo no desejo desatento
corresse por fora, em minutos imóveis,
na fenda carmim que contrai.

domingo, 4 de maio de 2008

Sons



Na partitura,
a tarde invadiria o dia
trazendo garças que pastariam
sobre um espelho de águas azuis
e uma brisa melancólica
viria de longe com a sombra.

Tantas tardes,
muitas garças,
outros sons.

O vento viajaria deixando
o odor da noite,
vestida de dourado e depois,
azul intenso,
cravejando de infinitos brilhos
e assim ornada,
deitaria sobre o mar e lhe ouviria
os murmúrios,
sem nada dizer.

Tantas noites,
muitos brilhos,
outros sons.

O mar agitar-se-ia
em ondas de ansiedade
no império da lua simplória,
Sol de amantes notívagos,
lanterna de afagos errantes,
testemunha de todos os sussurros.

Tanto mar,
muitos afagos,
outros sons.

E a manhã,
fresca e branca em seu inverno,
vasculharia a terra,
o asfalto,
o concreto,
as vidas despertas,
envoltas em ruídos tão seus.

Tanto inverno,
tantas vidas,
outros sons.

A Chuva


Cheiro de mato molhado
envolvendo os sentidos,
antes da visão das gotas na janela,
sol extinguindo seu brilho.

Invernada inteira,
admirável na fronteira lá fora,
um som que nos alaga
um piano, um arfar.

Lampião solitário dependurado,
pernas em meio a pernas,
largadas no chão em desalinho
de tantas delícias sem desvendar.


Nos extremos,
encaixe perfeito ser em ser.
Urgência adequada e sem razão,
vitrine de olhos no olhar.

Iluminado quieto desejo cansado
de resistir em render-se
sem vergonha à contemplação,
como fora temor reacender os corpos,


como fora pecado perde-se
nas porções de saudade rápida
do costume de nos buscar
nos portais conhecidos e nus.

E a chuva de vento encantado,
emissário de segredos buliçosos,
gira e entra e nos põe na pele
o sabor úmido da manhã.


Desfaz nosso amor na areia
e o arquiteta indiscreto,
escancarado e candente,
obelisco de cristal feito em luz.


Dedicado a Daniel.

Interlúdio



Lá no começo de tudo
o inventei poema deitada ao largo
nos olhos de pôr-de-sol.
Risquei o céu de sua boca,
crendo-me cometa ao entardecer,
do cintilante ao vermelho batom.

Quando primavera,
vestí-me em roupas do orvalho
impregnado na tela de matizes quentes,
pintada com os pêlos do seu corpo.
Dois pontos de fuga sem pressa
no meridiano ser algum.

E lá no meio de tudo,
o cometi de improviso, pensamento,
correndo no tempo certo do tempo,
qual lágrima destilada na poeira
do caminho sem bússola nem espelho,
eu, fêmea em despertar.

Quando verão,
despi-me em noites de lua
e assim tão clara bati a sua porta
com argumentos de vontade e solidão,
para que me tomasse completa
e fosse suave ao mergulhar.

E ao fim, no todo,
foi tudo poema e pintura,
foi outono e inverno,
um interlúdio de nós mesmos.
Não pretendeu ser efêmero,
embora não se desejasse eterno.



Querer

Atrás da íris,
na frente do corpo.

Sumos vítreos,
vítrea claridade me abala.

Homem, sereno
náufrago dos pingos de mim,

di[versos] pequenos:
matéria ou alma,

caidos no meio do mundo
do meio, no meio de mim.
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