quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Anos










Agora eu sei o que são os anos: são vagões
que tanto me aproximam das saudades
quanto mais me distancia das inocências.
Ora, partindo das coisas que param e vão.
Ora, chegando às coisas que ficam assim;
em gesto estremecido do Leste às noitinhas.
Como se fosse gosto. Como se fosse certo.
Como se fosse um outro. Como se fosse perto
esperar o Sol. Agora, sei das coisas minhas.





A todos os amigos, visitantes fiéis, visitantes ocasionais, que me deram a honra de dispensar seus olhos e comentários ao "Brisa Nordeste" no decorrer de 2009, desejo que no Novo Ano nossas horas sejam mais justas, os dias sejam mais plenos, as semanas mais brilhantes e os meses mais maduros. Sobretudo, desejo paz e saúde.






quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Poema de Instante





Inadiáveis sóis
recuam vagas de instante
fosse o vento uma foz.

É, meu amor
neste íntimo afeto
em silêncio modesto

neste esgotar-se interior
neste fazer-se secreto

do ser-se sem ultraje
do bem e do mal além

que o ato de entregar-se
provar-se, gozar-se
é meu e teu também.




Noite



Ela vem clareando os mistérios do dia,
aqueles que não foram revelados,
na intimidade dos suspiros que o meu sorvia.

Alma






Às vezes se dá umas formas de águia,
outras vezes de fênix,
e se sucumbe ao mormaço, tal qual água,
mais tarde, embebe a crueza do cálix.




 

sábado, 12 de dezembro de 2009

domingo, 29 de novembro de 2009

Palavra Inabitada

Um Conto de Natal






Falta pouco para a meia-noite. Lá fora o burburinho do dia cede completamente lugar às vozes dos bichos que povoam a região da caatinga. Corujas solitárias singram as sombras rasgando seu canto agourento. O chilreado dos grilos está a exigir as respostas que por toda a sua vida a vida não trouxera, e o vento amordaçado, morno, inquieto, passa levando o calor das paredes sujas do cárcere. Os olhos dele correm o piso de pedras irregulares, já as havia visto antes, mas a tentativa da lembrança deixa em suas narinas um cheiro acre de madeira misturado à poeira e sangue. No pensamento vacila um vazio de misericórdia pelos dias imêmores do povo abrigado no isolamento dos seres da Terra.

As horas escamosas, lerdas, serpentes, sibilam haver chegado o tempo de cumprir as promessas do Criador. O tempo velho do lúmen das estrelas. O tempo das raízes dos cardeiros. Do sal da terra. Dos plânctons do mar. Do mel das flores. No catre de varas, ele abraça o tronco e se encolhe feto, que não lembra ter sido, criança pouco havida. Homem sublimado. A textura do algodão cru da camisola, mais próxima da pele, não o faz desejar o conforto do mundo, tampouco, a fé na fé do termo. Seu conforto é de dor e dor. É o medo que prega o suor. Sua companheira já vem, sem luxos, é pura e sem e cor das estrelas que vira nascerem e se apagarem muito antes que fosse cunhado o verbo que não lhe descreve a face do Pai ou a sua. Antes que o pensamento fosse ato-reflexo de sua própria falta de nexo. A sua existência poderia ter sido a multidão espelhada de semelhanças. Por fora a areia polida detrás do reflexo. Ela cumprirá seu desígnio com a docilidade irracional dos domados. É preciso uma única boa-vontade dos mártires em vão para se alimentar do caldeirão onde os homens fervem suas mentiras, fraudes, fianças e interesses.

A última ceia fora servida sem fome, para o rito cumprido, ao som dos sinos da Igreja agreste a recitar preces que ressoavam: “- Acalma-te. Tempo passado é tempo findo. O tempo que vem surgindo traz o próximo tempo. É direito não ter direito a nenhum deles. Tu ainda és homem. Morre-se.” Esperou sem as culpas que não deu, com pavor e ansiedade, o que estava designado. Esperou. Agora, a réstia das grades da janela do cárcere caminha sobre o chão frio em direção da consumação. Aquela com quem se deitará vem pelas mãos dos tolos para os quais, mais uma vez, pedirá a comiseração do Seu Pai, porque a sua própria já não serve. O portal se abre incandescente, na cor dos seus estigmas. É hora de morrer em plena ciência, e acordar à direita do Verbo que não germinou de larvas haploides, mas do vazio escuro das chamas sob as águas, entre rochas. Em cima do catre, rente às sombras, três cravos de ferro, uma coroa de espinhos e uma folha de jornal, que lhe aquecera o frio como lençol, onde se lê as cotações amassados das bolsas de valores do mundo inteiro, crimes para comover, a vida de alguém para invejar, intrigas para a discórdia, resultados de jogos para se esquecer, uma data no cabeçalho a definir eventos que se pode saber. Meia-noite. Não há taxis ou mulas. Lenços nem véus. Não há fogos, nem um traque. Nem tristeza, para ser de espera e esperança a Nova Era, perto demais dos arsenais. Nem clarim nem caixa de guerra.

Silêncio. Amém. Misericórdia.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Adeus à Ausência








São as mesmas palavras, assim
descoloridas do branco justo,
quando ela se escreve de mim
forçando um hiato absurdo.

E como ela fica a toda hora
prova do que te disse respeito!
Cravada no fundo das portas
daquele adeus contrafeito.

Se eu te arremesso ao lápis
tal qual ponto de incoerência
tem tanta importância o lapso
que te descreve ausência?

Não... Apago-te, borro e rasgo.
Ainda assim tua falta se demora
de repente, de repente visgo.
Então fique. Eu vou embora!



quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Resumos



Ensaio de Poema Visual

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Soneto Quase Terno




É quase terno o recorte de uma ilusão,
é, de longe, tão mais estéril e ameno,
desfolhadas suas correntes de verão,
erva senescente de elos tão pequenos.

Vez em quando o dia faísca demasiado,
de outras vezes desfalece com frieza
e o céu se revira bem perto e esfolado,
onde um transe lhe permeie a gentileza.

Certo é que a mágoa trai-nos o senso:
fumaça fria a tentar fundir-se à fria água;
contíguas, trespassam um vazio imenso.

E a ternura é quase nada de pelo menos
se de mãos arregaladas tateia-se a mágoa,
a ilusão e o senso, feitos deles mesmos.





segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A Palma do Destino




Até pensou em mudar as coisas
não muitas
só as que duvidava
caberem nas calçadas das mãos
que o escoravam

Tomou trens e corredores
tanto lá atrás como mais a diante
chegou à sorte que pensava
prender entre os dentes
como se dela fosse antes

Ele vinha fatigado
transpirando suavidade ébria
pisando linhas bem usadas
sinuosas, somadas.
o trajeto se era o certo
no percurso saberia.

E mesmo agora
na palma de sua mão
permanecem tantos trechos
justapostos na viagem
marcada para amanhã
e outrora
desde o começo

Depois do fim vem outro fim
E ele sabe: naqueles passos
alegria e dor, prazer e dissabor
vida e morte
são apenas endereços






sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Riscando os Dias






Existem os pincéis do mármore
assim como uma fragrância fria para cada medo.

Existe a pergunta dos violinos
assim como o pensamento, em balé, se demore.

Existem asas para cada pólen de rosa
assim como todo mar e olho são salinos.

Existe um adágio em cada hora boa
assim como um segredo que se alcança.

Existe um drama para toda poesia
assim como uma cicatriz à pele se afeiçoa.

Existe a metáfora do cinza
assim como plágios no calendário, mas quem diria?

Existe o papel de cata-vento
assim como o vento, a ilusão de uma rima.





sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Como Quem Fica





Ouve-me, não serei sem ti
senão uma pedra vazia
da alma ao último traje.

Não serás de mim
senão gotas de janeiro,
pelas ruas, sem disfarce.

No bom senso de viés,
deixe-nos pronto um desejo
a ser rezado até o fim,
até em terços, até aos pés.



domingo, 13 de setembro de 2009

A Fome




Ela devora o viço,

lavoura, mulher e filhos.

À Terra, também faz isto,

come inclusive, Cristos.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Como Quem Parte




Cedo, era bruma.
À meia noite, lábios.
Entre uma e outro, alguma.
Fora, tardios lados.
Amanhã, hora nenhuma.


Poema Declamado: (Voz) Fá Lopes
Música: Mascarade (Intro) - Ernesto Cortazar

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Decompondo a Lista II




“Faça uma lista dos sonhos que tinha!
Quantos você desistiu de sonhar...”

(Oswaldo Montenegro)


Sabe aqueles desejos que esvanecem na poeira do galope do tempo? Que vão ficando aqui e ali. Tintas bem arrumadinhas numa aquarela que talvez jamais sejam usadas numa grande, ou memo pequena tela? Aquela vontade que se tem ao se olhar uma vitrine, um jardim, um céu de pipas e aviões, prateleiras de lojas de brinquedos, gente... (é possivel mensurar e quantificar vontades diante destes estímulos?). Cada um os percebe de forma muito própria: olhando vitrines se poderia desejar ser uma modelo famosa, um costureiro de renome, um vendedor da loja, o dono dela, ou apenas possuir coisas que ela mostra.

Olhando um jardim, pode-se desejar possuir as flores, os pássaros dele, ou simplesmente dispor da relva para refrescar os pés e das sombras das árvores para relaxar o dorso. Pode-se, até mesmo, pensar em possuir um igual no quintal de casa. Pode-se também nem olhar direito para ele, saber só que ele está lá, como algo que não poderia deixar de estar, feito uma montanha, um rio ou o mar.

Olhando o céu, poderia se desejar uma chuva ou que o dia fosse de sol, desejar a pipa colorida, desejar o avião, ser piloto de avião, ou aeromoça. Poderia se desejar um teto de telhas de verdade, que abrigasse a necessidade de se refugiar das intempéries. Pode-se desejar não ter partido, ou não ter deixado ir. Pode-se até desejar uma boa lua para uma serenata.

O que se pode desejar ao se olhar as pateleiras de uma loja de brinquedos? Um brinquedo? Muitos brinquedos? Todos eles? Há quem possa desejar a inocência da infância de volta para aliviar o peso dos anos. Há quem possa desejar ter ouvido uma história de criança. Há quem lamente nunca ter tido tempo de contar uma. Há quem se lembre que lhe foi impossível contar uma história de criança. Há quem deseje, apenas, ter os meios de realizar um desejo.

E quanto a gente? Pode-se desejar que um rebento, seja como nós. Pense como nós. Haja como nós, seja o que nós somos. Ou, que seja tudo o que não conseguimos ser, que tenha tudo o que não conseguimos dar. E ambos levam quase uma vida inteira abrindo mão de desejos e realizando os que lhes é permitido desejar, com ou sem mágoa, com ou sem culpa. Mesmo quando a vida inteira divide-se em duas, duas várias vontades...

E quanto aos amores da gente por gente? Em que âmbito, por onde olhamos e desejamos que ele (a), sinta nosso amor como a gente sente? Retribua como necessitamos? Em que âmbito nos completamos, tomando, pedindo e cedendo, desejando preservá-lo eterno, nem que seja por instantes? No âmbito da morte certa que não desejamos, mas que é o fiel da vida que balança?

As vontades são tantas e tão distintas para cada coisa, fato ou ser nos quais colocamos os olhos e pensamentos.

É quando por via de algum mecanismo maluco, feito de parafusos e engrenagens de acaso, se começa a esquecer dos muitos desejos, ou a sublimá-los, em detrimento de necessidades urgentes, às vezes nossas, às vezes de outrem. E onde havia vontade surgem os sonhos, estáticos ou galopantes no tempo, e estes a trazerem de volta o desejo, a vontade madura de realidade plena.

E existimos, não como quem deseje coisas por trás de vitrines, coisas de um jardim, ou do céu. Não como quem deseje coisas de uma prateleira de brinquedos.
Não como quem deseje se fazer, à própria imagem e semelhança, em gente que não é a gente.

Sonhos nascem de vontades diferentes, por diversos acasos, e a sorte vem quando num desses acasos, nos colocamos cara a cara com gente que sonha igual a gente. Não realizar um sonho, quando ele bate à nossa porta, por descuido ou por falta tempo, é um enorme desperdício de vida.



Nosso sonho é real, Alma Minha, e palpável. Uma latência característica a nós duas, que no ponto certo, galopou Ao Pé da Nossa Janela, e entre páginas e sons ficará eternizada, dando ao tempo a certeza de que foi por nós sonhada.





Erótica




Hoje, reclinei entre duas asas oceânicas,
da mesma forma que fazem as estrelas,
no ponto médio mascavo das madrugadas,
e pus-me ao alcance de me levar por elas.

Uma atmosfera de chama vicejava apenas,
infinitamente azul nas margens dos lençóis,
preenchendo cavernas de dedos em plena
efervescência de baques de silêncio e voz.

Aqueles rumores tinham mãos. Indecentes,
abriam-me, sôfregas, todas as bocas,
em duas metades de fruta transparente.
Uma, caiu pelo teto. Ardia uma outra.

E levitou espessa sobre o suor e os átrios,
a torto e a direito de compassos quebrados.
E pousou profunda na caverna, de lírios
contraídos, dilatados. De gozo, amalgamado.

Hoje, reclinei entre duas asas oceânicas,
na exata forma que constrói um oleiro,
os ventos que alçam aves de cerâmica.
Nasci manhã. Morri estrela, o dia inteiro.




Finalmente! O texto perdido foi encontrado. E se alguém nunca soube o que é perder uma criação, lhe digo: é como perder uma criatura para a qual te preparaste. Para a qual enfeitaste todos os teus ambientes: neurais, vasculares, cardiácos e uterinos. É como haver ficado orfã de si, existindo apenas pelo tanto que restou dela. Mas quando ela volta, ah! É uma sensação nova. Nunca como se fosse outra, mas como se houvera nascido a mesma, de novo.




sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Eterno





Agita-se no meio da tarde,
Chuva oriental de luz amarela.
Liquefeitos taças e pássaros.
Solta pelos olhos avistados à janela.
Horas de vozes fundidas em cartas,
Cheirando a laranjas inusitadas
Do fio infantil tecendo o dia,
Prescrito em tua boca abismada.

Dizendo-me de flores e sedas
Por entre fatos já lembrados.
Abro cadernos de ti tão certos;
Aços e arco-íris coagulados.
Desenhando terça em sextas-feiras,
Faço tão tua esta poesia, amado,
Como chuva atrasada já sentida
Talvez, riscos mal molhados.

sábado, 18 de julho de 2009

Sonetos de Amar






I

Arrisco na artéria do teu pescoço, um dedo.
Desenho teu rosto no chão, ele me escapa.
Gritam, em sua rudeza, a areia e as pedras;
ferem-nas fundo, o querer que me concedo.

Às vezes, quero um segredo na voz do vento.
Ao meio dia ouvir teus sussurros no arvoredo.
Busco em jardins, em praças, mas retrocedo,
me vem o receio: eles existem ou os invento?

Encontro-te entre sombras, poemas e cartas
em folhas brancas estendidas a minha volta,
repouso em teu ombro a fadiga das buscas.

Surpresa é ter-te em acorde de música.
Danço contigo segredos em voz alta,
sumindo, só, nas folhas brancas e únicas.

II

Apronto-me floresta aos teus anseios
como sendo terra, tanto mais extensa
que a fome a inflamar a impaciência,
de me fazer nos teus beijos rio cheio.

Preparo-me à toa. Ah, mero devaneio!
Se me relegar à dúvida é tua herança
por que motivo essa fome não se cansa
e me abandona, mesmo que ao meio?

(Justo e sensato seria). Mais prefiro isto
ao medo que negas e em teus atos vejo
tal comida sem fome que a mão resiste.

Vai! Não carregue de mim este ar triste.
Resolvo-me nas lembranças em cortejo
decerto, me esvaziarão do que fugiste.

III

É sempre ao pôr do sol que me vem,
empunhando delícias graves, eretas.
E eu, necessitando estar certa
de que é apenas por mim que tu vens.

Conjugado em sêmen de nuvens,
ao Criador dás a significância exata
da umidade carcomida de tuas asas,
mas que aos meus desejos convém.

Penetra-me abrasador e profundo,
olhando-me, olhos de anjo obsceno,
como se despojado do seu mundo,

restasse a si, eu, o abrigo nefando,
que acolhe em desejo sereno,
tuas dúvidas, crenças, fardos e tudo.

IV

Vento norte vibra na noite do mar,
espalhando suas espumas no alheio.
Cá dentro, tua presença leva os receios,
por tuas portas os vejo dispersar.

Então, no breu, teu corpo a passear
sobre o meu corpo, marca-me sem jeito,
a pele, de calores breves. E teus dedos
invadem-me os recônditos em vagar.

Encontro teu falo quente e trêmulo,
erguido tal facho de luz a rasgar noites.
Afasto-me do escuro e te sorvo, mudo.

Perco-me em ti, nem tu tens mais rumo.
Entornas no teu gozo, Sol e sorte,
nestes brilhos, contigo me confundo.

V

Nas planícies de seu corpo, leves cores.
De onde estou, desnudo-as lubricamente.
Nos movimentos, se quisera inconsciente
à gula com que cobiço seus sabores.

Toca-se, excita-se, contrai-se em tremores.
Cá, aflição incontida. Perto, ouço demente
aqueles arquejos e sinto como ele sente.
Assumo atitude de fumaça e rubores.

Gostaria de saber se assim ele me tinha:
diminuindo com seus suores a distância
e que a mão que o afagava era a minha.

Nesta forma (em que não estou), me fazia
ainda tanto e mais quanto a petulância,
tê-lo em contração oca por companhia.

VI

Colho na língua, do teu peito áspero,
um gosto vadio; vou da boca ao caos,
alastrando minha alma, meu umbral,
de odores brutos de homem cálido.

Tenho-te nu sobre o chão branco,
violentando em teu rosto os seios.
Túrgido, doce, me toca o teu meio,
de onde morro até onde me planto

e nasço céu de céu nublado. As coxas
abraçadas às tuas. Ora, és boca e saliva
ora, no meu sexo, um pulsar de chuva.

Olhos fechados, degustas-me as gotas.
Enfim, teu corpo e minha alma fazem vida.
Tua alma em minhas entranhas se desnuda.

VII

Chegando todos os dias, ao acaso,
desde ontem, quando eu nascia,
será plácida. Dobrado o passo,
em velocidade de hortência

que colhida lilás, no prado,
arrancada do chão, amarelecia.
Levará o que tenhas me dado:
teu teu passado, tua existência.

Florirá, como em mim fazes agora,
em hastes de momento e noite,
crescendo horto em meu corpo.

Quando vás onde comigo ela mora,
ficará tudo tão perfeito. A morte
nunca mais nos matará o corpo.




domingo, 5 de julho de 2009

Olho D'àgua









Olho d’àgua olha a lua
triste porque não a tem
derretida em mel de flores
dos engenhos e quintais.

Muito cedo amanhece

olho d’àgua olha a estrada
e por ela ninguém vem
vem portões e arredores
alicerces e varais.

Como a amada não chegasse

olho d’àgua olhou a brisa
e a ela quis também
mas ela foi-se embora
trocou vento em temporais

Quando o sol desaparece

olho d’àgua olha a noite
se deitando com ninguém
Dormirá suas esperas
igual ele sempre faz.




domingo, 28 de junho de 2009

Para Nada





Nele cabe tanta coisa, parece infinito fim.
E sei que lá está, desarvorado e frígido.
Talvez seja negro, transparente ou marfim...
Quem sabe se enfeie ou talvez seja bonito,
Posto nos traços de minha tez enrugada
e em meus olhos calados.
em estado de graça, na madrugada,
só ele me abraça o passado.



Ah, mas estes dias não se sustentam!
Deixando só as paredes,
À meia noite ele se ausenta
Levando o inverno que eu tinha.
E assim, de segundo a segundo,
meu companheiro me doa à primavera,
Jasmim tonto de mundo,
e calma me acostumo ao que eu era.
Pergunto-me: onde guardaria tanto adeus?
Aquelas ausências fatídicas,
amigas minhas e da esperança que o tudo me deu.
Naquelas varandas, mesmo triste,
curvo os joelhos e o pensamento
e beijo o meu nada, grata porque ele existe
e manda lembranças, ainda que perto,
do meu desejo que tudo no tudo existisse.


Este último "post" do mês é dedicado a uma sertaneja auto-ditada. Uma mulher de fibra, que valeu muito à pena ter conhecido em minhas viagens ao interior do Estado. D. Maria Silvéria.

Não sossegaria enquanto não a definisse em poesia, porque é isto que ela é.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sobre Tudo, Sobre Nada.





********************Dedicado a Cau Alexandre*****


Se me passo por teus lábios
Seja tanto mais que antes,
Debandada de libélulas,
Sob reflexos sem semblantes.


De entre os dentes,
Ridículo eco esgueira em premonição,
Frases feridas e exímias
Do ato em constrição.

Cerzidos em tênue linha furta cor,
No perfume do armário,
Adormecerão ramalhetes,
Solidários a esta dor.


*

************************************************

*


Deste-me uns versos,
Alma Minha,
assim, dispersos,
feito farinha
antes do pão.
erráticas rimas,
te confesso,
ei-las confusão,
virando páginas
e plexos,
cintilâncias e explosão.


Deste-me uns versos,
Alma Minha,
aos quais me empresto,
farinha,
àgua e mão,
para em meu lúmen
me clarear de pão.


Parabéns Cau! De todas as datas de uma vida, a mais verdadeiramente linda, está descrita e não contada, em calendários que ninguém publicou.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Espelho de Águas





Se ao oco do osso sobra o vôo,
ao da carne resta o armário.
deixa estar que ente as lâminas de espelhos
e o espelho do Céu tudo é refratário.

Sonho Adormecido




Caiu desacordado,
Bem fundo em jardim de pedras
E entre lírios e as frestas,
Ao longe,
Uma voz que chama:
Sonho!...
Vem de lá;
Onde o vento se refresca.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Poema Entalado




***************Cau Alexandre & Jeanne Chaves****


Poema entalado
entre a garganta e a mão,
não pinga, nem jorra ou escorre,
é sempre sede e mais um se não...

é nó no poço do pensamento,
sem entornar uma única gota
onde se afogue em carícia
a mão desaguada sentimento.

É ave sem ninho no inverno,
sem eira nem beira onde possa pousar,
é a fuga do tempo deixando a poeta
desnuda de si, de espaço e lugar.

É borrasca sem mar para escoar.




sábado, 16 de maio de 2009

Com Meus Botões, o Espaço e o Tempo.




I -(Tudo que há, já foi e será)

Sonhos são ofícios laboriosos.
Afronta meus dias prcebê-lo.
Escritura tão comprida de tudo que é genoma.
Alinhadas as letras sem sentido visível
e, contudo, indefectível - mente,
fecham completo o molde do rosto dado a alma.

Fecham concretos,
Concretos milagre e surpresa.

ll

O incógnito amedronta.
Cativa amêndoa na cripta densa do caroço,
a boiar em sábia ignorância de se será travo,
ou doce, ou ácido, o sabor da mordida,
eis que no aleatório algoritmo que há,
aquela é travo, é doce, é ácida e mesmo assim,
ainda assim, ainda que... se morde.

Engolir. Essencial.

Por doçura, pelo amargo, pelo azedo, a alma saliva.


lll -(Movimento de chão, semente e árvore é sombra)


Rumo e prumo da ausência contrafeita de tantos sonhos.

Momento derretido breve levou em seus ponteiros
luz de fruta carnuda e víscida de outras inconscientes,
degustadas tolas, na boca da espera entorpecida.
Por quais épocas o ponteiro ladino escondeu que já são,
da mesma carne e cerne,
concepção e lutos?

Garganta perenal.
Tanto distinto gosto.


IV

Quando em quando,
me atiro com força nas sinapses de vento e areia.
E quando sobes, Sol em meu corpo,
pontilhas de candura o fundo da cripta.

Por que de quando em quando,
sou chão, semente, árvore e fruta das vezes em que és Deus,
indo e vindo em lamento, do que em orbe é hirto tormento e vigília.

V (Estática do Tempo é o intervalo entre vida e morte, a lógica do Espaço é o movimento)

Vem,
quero ter tido teu corpo lavado na água límpida de um jarro de barro,
assim que o tempo envelheça tanto, mas tanto ,
que nas paredes do vento permaneçam sozinhos,
o chão, meu ventre e a sombra movediça do movimento.

Deixa-me ver a cara Dele atônita.

Vem,
por tudo o que é mais sagrado.
Vem,
Por tudo que é de pecado.

Sejas rápido.
A eternidade nos espreita e cospe.
E eu levarei em mim,
para ela,
sorriso em riste,
o amor de minha vida e de minha morte.
Germe que brota fenecendo.
Pois que se frustre!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Suave Como a Brisa


Cau Alexandre

Brisa serena lá do sertão
Vem rasgando o tempo
Afrontando o vento
Embalando as nuvens
Sussurrando os sentimentos
Inventando a perene liberdade
Para dela tirar o seu sustento
Eternamente Fulgás

Dissipa-se em ondas sobre o mar
Dobra-se em palavras
Tingindo-se de bruma
Criando o verão nos corações
Desagua intensas lágrimas
Banhando o tórrido chão

Ó, doce Brisa, quente e forte
Sopra na alma dessa nordestina gente
Aquece os olhos úmidos
Sossega as mãos inquietas
Acalenta os ouvidos sedentos

Sopra, Vibra, Soa
Pois é na palavras doce da Brisa
Que a vida retoma o frescor
Enternece a alma
E redescobre o amor!
**********************************************
Sempre soube que a Alma Minha poderia escrever sobre qualquer tema. Sobre a alma dela eu já havia lido. E sabia que qualquer tema, pelas mãos dela ficaria lindo. Sou inescrevívelmente, a Alma Dela.
Obrigada, Cau. Quando esta tua alma aqui, falha, cala, inventa um corpo na tua alma que é minha.

*************************************************************************

As pessoas que ganhei... Presentes da obra misteriosa da vida, e que me dão a honra compartilhar de todos os verbos transitivos e intransitivos, presente, passado, futuro e pretérito, pixados nesta “parede de sanatório”, são especiais (este termo é tão usado... “clichê”. Francamente, acho “lugar comum”).

"Então direi que são revelação e calma. Amor e drama.
Chama de vela e da estrela em distância mais longa.
Conforto, confronto, contra censo. Sobre tudo, anima".

domingo, 26 de abril de 2009

Por Que Há Som No Desejo...




São tuas bandas entre minhas músicas
acres, armadas qual trinado de pardais,
de cada lado de dentro do pêssego gotejante,
amanhecida luz sinfônica de cristais.

Arrisco a forma do teu suor e sêmen
nas brumas apressadas das ancas,
quando do som não há mais nada
onde galope tua boca em notas tantas.

E é de morte a surdina em meus ouvidos,
zunindo os quatro sumos que contraio,
até que lhes magoe o negrume da
vida florida serenos espinhos de maio.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Ensaio Líquido







Se me for permitido um dia
este
e quando durma
Lua.

Se me for permitida uma hora
noite
e quando acorde
chuva.

Se me for permitida uma forma
mórula
e quando orvalhe
gozo.

Se me for permitida uma página
lágrima
e quando escreva
rosto.

Se me for permitida uma cor
água
e quando germine
nua.

Se me for permitido um tema
fato
e por efeito
tua.




quarta-feira, 15 de abril de 2009

Flores do Asfalto



Então, era o aço
de flores tardias,
urdidas nos traços
do corte que havia.

Então, eram olhos
a buscar estrelas
por tetos sem solos,
sem ter como vê-las.

Um sonho desperto
deseja ser grão,
mas queda deserto
e sangra, então.

domingo, 12 de abril de 2009

Orgástico





Ah! Aquele apelo
Seria um poema?
Chegou a sê-lo
Quero este dilema
de língua e pelos.



Alma Em Carne Viva






Do mar, conchas, algas e monstros
juntam-se espectros do sol oblíquo
Sopro do vento se indo ao seu canto
por entre as vidraças dos dias a fio.

Ermo de espumas em si se desfaz
tão breve qual devaneio indigente
cobrindo ao léu a existência fugaz
de gente em postas de tanta gente.

Acima de pedras de sal e do lodo
vagueiam sem chama, olhos de alívio
e a pressa do resto do nada todo
gravita infinita vontade invisível.

De perto, quase perfeito engano
Mar e maio de quimera vencida
Jamais se extingue em seu todo
Mas, deixa a alma em carne viva.




quinta-feira, 9 de abril de 2009

Decompondo a Lista I





A Lista
Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via a dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais (...)

Oswaldo Montenegro.



Pois é, eu tentei...

E descobri que os grandes amigos foram enormes o suficiente para permanecerem assim, preenchendo os espaços de todas as estradas por onde tiveram que seguir e das estradas que eu tive que abandonar. E aprendi que cada um tem seu tempo em nossas vidas, o tempo de ficar e o tempo de ir, não de mim, eles irremediavelmente, inadivertidamente, tornaram-se minha 'bagagem íntima'. Surgiram e desapareceram para modificar-me ou para reafirmar-me como Ser.
As estradas trouxeram algumas dessas grandes pessoas de volta, mais velhas, mais sábias, mais céticas, mais doces, mais sóbrias, enfim, marcadas de alguma forma, na alma, pela grande aventura de viver, e eu me vi nelas.
Outros, cujas estradas não confluíram ainda com as minhas, virão a ser a surpresa do abraço, do sorriso sem reservas, o carinho do beijo franco.
Outros, não voltarão mais. Encontraremo-nos a qualquer tempo numa estrada que não vai neste chão.
Os que não foram amigos, sequer um engano no emprego da palavra, são pessoas que apenas passaram por minhas estradas ou eu pelas delas, num sentido contingente e me ensinaram, também, subliminarmente, sobre o que os amigos de verdade precisam oferecer e negar, ter e não ter, ser e não ser, para assim serem denominados.
Eu poderia listar os amigos, sim, como se constrói uma lista de compras, poderia contar, como se faz num balanço contábil, poderia até fazer os dois, assim como numa relação de convidados para uma festa, afinal, é isto que a letra da música sugere. Todavia, existe uma festa que ainda não terminou. É desnecessário reservar espaço em um papel para os que foram e os que estão chegando e atravessando. Os amigos de verdade me ensinaram que a lógica de ser e se tornar é muito outra. Que é preciso respeitar a dinâmica de existir, e saber que o amor de amigo, como qualquer outro, deve ser livre para ser avocado verdadeiro, e assim sendo, não importa o tempo nem as estradas.


Para: Alexandra Ramos, Claudia Alexandre, Claudia do Espírito Santo, Cleonice Teodoro, Celso, Dani e Fátima.





quinta-feira, 2 de abril de 2009

De Abril a Abril, Ponto a Pronto




Dez anos de abril,
a bicicleta veloz numa curva marginal,
um descuido, a rua larga
tudo rápido, tanto sol
[cinco pontos]

Vinte anos de abril,
para sempre e mais uns instantes,
a vida beija, baila,
deseja, dois rebentos
[ponto de partida]

Trinta anos de abril,
intento da causa, importa a vida,
importa a morte, importa a escolha,
importa o efeito
[Ponto para o não]

Quarenta anos de abril,
ainda tudo é infindo,
passado ausente, futuro por vir
chegando e passando
Reticências, pronto!


Poemeto De Mim Ao Mar




Um mar a me envolver,
ondas rachadas, caminhos.
Eu, espuma e verbete,
em verde-azul marinho.

Medidas pelo vento
já distei as minhas rotas,
onde deixo e levo embora
pelas asas de gaivota.

Em montanhas submersas
enfeito os ninhos que tenho,
assim, eu vôo e vazo
no intenso de onde venho.




Texto em homenagem ao quarto ano de aniversário do, gostosissímo, blog Mar de Palavras®

terça-feira, 24 de março de 2009

Pecadinho Capital









Há sol sobre o teu sexo
no todo sagrado desejo
em seu lume me disperço
abençoado pecado pagão
Enterneço e nos escrevo
metáforas a duas mãos.






quinta-feira, 19 de março de 2009

Último Pedido




Leve-me em caminhos gramados
da minha imaginação,
me deixarei ir sem paz e sem ira,
ainda que nos olhos cerrados
guarde, enlutada,
ensolarada macambira
e os ressequidos solos, duros,
como os calos de minhas mãos.

Hoje,
eu quero as sombras das noites
e um grilo em sinfonia,
para cada estrela do céu do Sertão.

Daquela gaveta sem travas,
remova os meus sonhos,
de certo,
nem todos lá estarão,
mas os que ficaram,
reúna-os em punhados,
queime numa fogueira de pau de umbu,
fagulhas se erguerão às alturas
e alumiarão,
na subida, a minh’alma,
mais doída que o mandacaru.
Sonhar não mais me acalma,
na carne já não há fome.
A Providência extirpou-me a dor.

A ela peço ainda,
não te canse a viagem
ao meu leito derradeiro,
feito ele em fofa areia
na praia que eu supor.

Numa falésia lambida pelo mar,
há de haver sobrado uns palmos
onde este corpo minguado,
finalmente,
pela seca exilado,
possa agora descansar.

Amigo, lá me deixe,
onde a água nunca acaba,
seja ela doce ou salgada,
nem careço degustar,
só me quero junto dela
p’ra que a minha eternidade
seja úmida feito o mar.

(Imagem gentilmente cedida pela minha amiga Leka Ramos. Registro de suas andanças pelas bandas de cá).

quarta-feira, 18 de março de 2009

Sobre Saudade





Um vagar baldio

em atalhos fagueiros,

do pensamento arredio,

vencendo o espaço ligeiro.




Outono, Mar e Lua









Fora só um arrepio
de verão a se desmanchar
num amarelo de estio
outono por sobre o mar.

E os dias se distraíam
-tão ávidos de flores-
fazendo castelos na areia
pintando-os em cores de folhas.

Era apenas calafrio
de água a viajar
por braços de tantos rios
lívidos de luar.

E o tempo se refazia
na lua correndo ao mar
no verão que se evadia
em órbita de regressar.







segunda-feira, 2 de março de 2009

Improviso das Palavras Benditas do Vozerio




Benditas as palavras.
Bem ditos os versos que acuam o poeta,
para que falem juntos,
na forma que se dão,
do que a palavra traz em sua alma,
do que o poeta cala em vão.



Inspirado no poema "Um Vozerio", de autoria de "gaivotadourada".
Publicado no Recanto das Letras em 02/03/2009.



terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Um Percurso Para a Noite dos Tambores Silenciosos



Estacionamos ao lado do prédio da Assembléia Legislativa do Estado, uma construção que se iniciou no ano de 1870 e só foi entregue no ano de 1876, embora tenha sido inaugurada no ano anterior, ( como os hábitos do sistema político atual são arraigados! ). Nosso objetivo é participar da cerimônia da "Noite dos Tambores Silenciosos", evento que acontecerá no pólo afro, um dos oito pólos de Carnaval, instalados no Centro do Recife, mais precisamente no Pátio da Igreja de Nossa Senhora do Terço, para tanto, precisamos vencer, mais ou menos, dois quilômetros que estão entre o ponto onde nos encontramos e o famoso Pátio.
Estamos na margem esquerda do Rio Capibaribe, na Rua da Aurora, que recebeu este nome pelo fato de todas as suas casas serem voltadas para o nascente. O trânsito se encontra muito diferente do seu habitual, mas não menos confuso. Centenas de pessoas de todas as idades, fantasiadas, mascaradas, ou simplesmente em trajes de verão, vão e vem pela rua, disputando espaço com os veículos.
Para chegar à outra margem do rio, cruzaríamos a Ponte Princesa Isabel, construída pelo engenheiro inglês William Martineau, e sobre a qual existem controvérsias à cerca do seu nome verdadeiro, historiadores de peso afirmam ser seu nome correto, “Ponte de Santa Isabel”, outros poucos afirmam ser seu nome original “Ponte Pedro II”, mas o fato é: controvérsias à parte, essa construção do século dezoito liga poeticamente a Rua da Aurora a Rua do Sol, a primeira situada no Bairro da Boa Vista e a segunda no Bairro de São José. Este, não é o único “traço” de romantismo que a presença holandesa deixou nas linhas arquitetônicas da cidade; transversal à Avenida Conde da Boa Vista, existe a Rua das Ninfas e Rua da Soledade.
Uma Rua da Palma, transversal à Rua Nova e à Rua das Flores. Imagine que alguém colocou a Rua da Saudade paralela a Rua da União, e não fosse um ato politicamente correto, na seqüência, ter-se-ia a Rua do Hospício, mas a Rua 7 de Setembro está entre ambas, muito imaginativo, talvez para desviar a atenção do paralelismo entre saudade e união.
Deixando as divagações de lado, voltemos ao percurso que nos levará à nossa cerimônia Afro-religiosa.
Já na Rua do Sol, avançamos em direção aos fundos do Teatro de Santa Isabel, construído em 1841, num local chamado “Campo de Erário”, por tratar-se de um areal, hoje ele está imponentemente instalado nos jardins da Praça da República, ladeado pelo Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo Estadual e o prédio do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Segundo Joaquim Nabuco, organizador, em 1880 da Associação Brasileira Contra a Escravidão, ali se começou a ganhar a causa da abolição da escravatura.
Bom, chegamos pelos fundos do prédio do Tribunal de Justiça, ao início da Avenida Dantas Barreto, nome dado em homenagem a Emídio Dantas Barreto, comandante militar que atuou na guerra de Canudos, contra Antônio Conselheiro e seus seguidores. Seguimos por toda a extensão da larga avenida até a viela estreita que dá acesso ao Pátio da Igreja de São Pedro, nesse trecho há que se destacar a visão das fachadas das igrejas de Santo Antônio, Nossa Senhora do Carmo e a Igreja da Ordem Terceira do Carmo.
Ao chegarmos à viela, ainda trazia confrangido o coração pelo aspecto sujo e mal conservado dessas construções seculares.
Feericamente iluminado, o pátio de São Pedro, com seus bares tradicionais, reduto de poetas, estudantes, trabalhadores do centro do Recife, intelectuais e turistas de todas as partes do globo, tinha em uma de suas extremidades um palco montado para apresentação de grupos folclóricos, que contavam a história do Carnaval de Pernambuco com arte, cor, graça e música.
A Igreja de São Pedro dos Clérigos, com suas duas torres simétricas, se posta na outra extremidade do pátio, do alto dos seus 281 anos e, hoje, comprimida entre ruas estreitas, continua a resistir às pressões do espaço urbano de Recife.
A Rua das Calçadas é uma rua lateral a Igreja de São Pedro e por ela seguimos, até alcançar o Pátio do Terço, onde está instalada a Irmandade de Nossa Senhora do Terço. A fachada da Igreja foi expectadora de um acontecimento histórico que deve ser ressaltado: a condenação à forca do Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, revolucionário da Confederação do Equador. Os soldados se recusaram a enforcá-lo no interior da Igreja e o levaram por toda a distância do pátio, onde lhe foi, por fim, tirada a vida na forca.
Antes mesmo de chegarmos à metade da extensão da rua, já era possível escutar as batidas das alfaias e tambores dos Maracatus.
Chegamos ao pátio por trás do palco montado para a apresentação. Era grande o número de pessoas que se concentrava ao longo do gradil que isolava o público da área do desfile dos Maracatus. A cerimônia propriamente dita começaria à zero hora, pontualmente, e enquanto aguardava, o público se encantava com as apresentações de Nações de Maracatus (Também conhecidos como Maracatus de Baque Virado), centenários e novos.
O batuque do Maracatu contagia, inconscientemente começamos a balançar o corpo no ritmo dos tambores. As dançarinas realizam movimentos sutis e frenéticos, em função do embalo das pancadas, lembrando o movimento da águas do mar, braços no ar e passos marcados, tanta força, sutileza e graça, abarcadas por cores fortes, cores da entidade que precede o cortejo.
E assim ficamos, envolvidos no espetáculo até a meia-noite, quando então as luzes do pátio se apagam e tem início a Cerimônia da “Noite dos Tambores Silenciosos”. Tochas são acesas. Um babalorixá principia a proferir, em dialeto africano, a sua benção. Fogos de artifício espocam e colorem o céu vermelho de temporal. Não há mais o som dos tambores. O povo em silêncio.
Chove torrencialmente, mas ao contrário do que se esperaria o público só aumenta. O exíguo pátio alaga, encharcados, não há como atribuir os arrepios que nos andam na pele ao frio ou ao momento do evento.
Saímos do Pátio do Terço ao término da longa benção, com aquela sensação gostosa de fazer parte de uma cultura de carnaval que confere identidade e respeito às nossas complexas e ricas origens.

NOTA: A Noite dos Tambores Silenciosos é uma cerimônia de origem africana que reúne nações de maracatus de baque-virado, procedentes de todo o estado de Pernambuco, com a finalidade de louvar a Virgem do Rosário, padroeira dos negros, e reverenciar os ancestrais africanos, que sofreram durante a escravidão no Brasil Colonial.
Os ritos de reverência aos antepassados é um costume que os escravos trouxeram para o Brasil, como na cerimônia de Coroação do Congo, onde elegiam seus reis e rainhas, lamentavam seus mortos e pediam proteção aos Orixás.
No Brasil, os negros privados de sua liberdade não podiam manifestar suas crenças e tradições. Realizavam então cortejos de lamentações às escondidas e em silêncio, dando origem mais tarde ao nome da celebração: Noite dos Tambores Silenciosos.
Mesmo depois da abolição da escravatura, esse ritual continuou a ser realizado. Com o passar do tempo, todas as comunidades negras do Recife foram se agregando, o evento sempre foi realizado às segundas-feiras, dia das almas nas religiões de origem africana.
Essa festa de evocação e reverência era realizada no pátio da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, localizada na Rua Estreita do Rosário, no bairro de Santo Antônio. Entretanto, em 1965, por iniciativa do sociólogo e jornalista Paulo Viana, deu-se início a uma campanha de valorização e resgate dos ritos africanos, que durante o período da ditadura militar entrou em decadência, pois o número de participantes desse tipo de evento foi bastante reduzido devido às perseguições políticas (...).

Fonte: Fundação Joaquim Nabuco

(Imagem Google)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Resumo da Lágrima



... Palavra líquida.

Desvencilhanças




Interrompemos o curso da tarde
e nele a praça não mais corria vazia,
alí, parada sob nós, como nós, em calma, ela urgia.
Teu riso na palma da mão e a mão na nuca,
aplacava velas acesas de antigas naus
Viesse a noite àquela tarde e a história seria igual.
Todos os verdes e amarelos e violetas dos canteiros...
Você disse: olha o arco-íris no chão, desse jeito,
na descoberta, minha face ficou em teu peito.
Sempre gostei do teu carinho vertical,
quando o tenho, me apetece perder-me na demora,
é quando, devagar, galgo todos os nossos degraus.
Aquela tarde estacionada não foi bolha de sabão,
Foi tempo necessário, roubado gostoso, à falta dele...
Juntando os nossos momentos como são.

A Arte de Sonhar



Indefinidamente, para sempre voar
dentro de um universo inusitado,
qual ave evoluindo rente ao durar
de fronteiras e caminhos guardados

em cantos delatores de segredos,
afinados com o imaginário e o resistir,
aflorados no chão de se ficar e se ir
ao extremo do impossível, sem medo.

Por estradas tortas que nem veias
de um corpo veloz, perseguir os sonhos,
por quanto fantasias se tornaram, de fato,

avesso do substantivo feito de areia
erguido em cósmica tempestade
e a vida acordada, faz-se um sublime ato.

Estro Impossível



Esperei que me aportasse como quem parte já,
Segredo azul de alvorada tranqüila.
Tramando perder-me à beira de te achar,
Reviraste em meus seios, língua feito quilha,
Outras águas além da arrebentação do mar.

Irradiados, abandonados de pretextos,
Meu e teu anseio, como grito, ou do vento o assovio,
Predisseram ilusões, areia do tempo breve de resto.
Onde nada sussurrou o vento, estava o que silencio,
Saudade liberta entregando-se sem protesto,
Sem que me farte o alimento, ou se me negue à poesia.
Indaguei do mar se teria tua alma em retorno a minha mente.
Vagas abertas, cheiro de homem e mulher e maresia,
Existindo nuns momentos, em que tudo, de repente,
Levasse aquele sol que a fatalidade nos mentia.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Meio Motivo Inteiro do Tempo




Perguntaste-me meio motivo
Para nunca havermos dançado
E achei que o inteiro motivo,
Estava entre o sul e o umbigo,
Do tempo que levávamos juntos,
Ao mesmo tempo, em separado.

(Imagem Google)

Poemeto Alienado




Não sabe encaixar as palavras...
Mexem-se nelas pensamentos,
pregados em sentimentos de larvas,
que ajusta perfeito,
a mulher ao corpo do amado.

E o dia se enquadra na tarde,
extrema e perene, por todos os lados,
junto à noite, todo dia, sem alarme.

Como a luz se encaixa na boca;
o escuro abriga os amantes
e os recria noite de ambas as bocas.

As deixa aladas, silentes,
consigo, trêmulas de instantes...
num gesto guardado semente.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Nostalgia


Sentir nostalgia é igual a fazer pão:
amassamos o trigo e ele cresce sob
as linhas de nossas palmas.
Descansado um tempo,
precisa de um lugar quente
Onde se impregnem
cor, odor e sabor.
Ele em um forno à lenha,
de preferência,
ela,
naquele cantinho
que a gente,
vez por outra,
remexe como quem nada perdeu,
apenas para ver se está tudo em ordem.
E do lado de dentro de nós,
Cresce em pilhas de sensações.
Ah! Um bom vinho,
de gosto antigo,
para fazer doce o pão
e umedecer a fantasia que foi real um dia.

Intermitência




Vou-me.
Levando-te,
pirilampo dentre arestas das ausências dos dias.
Sob as sombras das minhas mãos em teus ombros,
toca-me a aragem,
vergando coqueiros.
unindo-os em distâncias,
pelo meio inebriado de sereno.
Palmo a palmo,
verdejante carícia.
Olhos vermelhos nas copas,
no tronco,
marcas de uma aflição de crescer.
E furiosas raízes.
Durmo entre frestas da geografia
a arder e umedecer o cume do sono.
Tua diminuta luz inundando vales
e passagens de não se andar.
Noite intermitente,
aquietando a ânima do sim no corpo do não.
Esgueiro-me por poços,
onde afogo a ousadia,
que tuas asas e jeitos vêm buscar.
Como sejam teus,
meus dedos tecem buracos na utopia
de que entre a noite e o dia,
ressoe,
menino,
eco inofensivo do não acorde da canção de despertar.



Dedicado a H.F.R.




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